Izabela Wilson: Confesso que a experiência foi em parte frustrante e em parte gratificante, por uma série de motivos. O Brasil não incentiva abertamente a criação de projetos culturais, artísticos e literários, nem dispensa a eles a publicidade necessária para que se desenvolvam de forma salutar e correta. Em contrapartida, há uma quantidade substancial de verba liberada para estes mesmos projetos sem nenhuma divulgação aberta e acessível fora do público específico, como podem ser claramente vistos em sites voltados à educação, como MEC e FNDE. A justificativa? 'A verba está jorrando bem aqui, vocês é quem não correm atrás'. Isso é um fato. Mas como ‘correr’ atrás de algo que não sabemos estar realmente disponível e acessível?
Outro fator crucial é a extrema preguiça e desinformação de quem deveria orientar a população acerca disto: os órgãos responsáveis pela Educação e Cultura, infelizmente em sua maioria esmagadora (salvo raríssimas exceções, as quais uma delas tive a felicidade de trabalhar) não sabem, nem se interessam em se informar, ou auxiliar pessoas interessadas a realizar petições e projetos para a liberação da verba. Sim, preguiça. O ‘não sei’ é a resposta mais recorrente, porque é a mais cômoda e fácil. Entra e sai administração municipal, e permanecem sempre os mesmos parasitas concursados de corpo presente, mas nenhum engajamento, nenhuma garra ou alma, porque não precisam de votos para continuar em sua condição de parasitas.
E o terceiro e pior motivo: a má intenção da maioria dos envolvidos que enxerga o potencial de liberação de verba na área e resolve deixar a preguiça de lado para... Você sabe. Muitos ‘projetos-fantasma’ são forjados país afora, e o superfaturamento abusivo é muito comum. Como disse e volto a frisar, salvam-se raras exceções de pessoas de alta envergadura moral realmente engajadas na cultura e educação, mas a grande maioria que consegue pôr as garras nas verbas liberadas aos projetos dificilmente repassam o valor integral destinado ao projeto, isso quando repassam alguma coisa. O tempo passa, o foco se perde e o dinheiro? Ninguém sabe, ninguém viu.
O resultado que vemos é esse: uma cortina de fumaça que limita o acesso de pessoas bem-intencionadas com projetos de grande potencial artístico e valor cultural, barrando o desenvolvimento dessas áreas, e secando uma infinidade de benefícios considerados puramente abstratos pelos burocratas, como um povo mais informado e mais culto. Mas, infelizmente, estamos num país onde o próprio governo não se interessa por uma população culta, e seus representantes ainda chafurdam na cultura do ‘levar vantagem em tudo, não importa como’. Se não dá voto e não dá dinheiro, pra que perder tempo? É frustrante, vergonhoso, lamentável e ultrajante.
Porém, ainda existem essas exceções, felizmente. Tive o prazer de trabalhar com pessoas que lutavam contra todo o tipo de limitação imposta, expondo os números na íntegra e fazendo funcionar coisas que nunca pensei ser possíveis. Essa é a parte gratificante, edificante: de anos depois de um projeto bem executado, um ex-aluno ou participante te parar na rua e contar o quanto o projeto fez diferença em sua vida para a melhor. Isso não tem preço.
M. R. G: Fale sobre sua formação, os caminhos que percorreu, sua vivência acadêmica e fora do meio institucional com arte:
Izabela Wilson: Pra falar a verdade, meu caminho de formação foi bastante tortuoso. Assim como a maioria dos desenhistas, sou autodidata. A paixão e a curiosidade nos leva a descobrir e aprender como as coisas funcionam nesse meio. E nunca pude pagar um curso de desenho, o que me fazia empenhar cada vez mais para aprender sozinha.
Mas, como grande parte dos artistas que têm a infelicidade de nascer pobres e logo precisam trabalhar para viver, tive de deixar a arte de lado para ‘trabalhar em alguma coisa que dê dinheiro’. Não me matem, mas infelizmente todo mundo pensa assim, e isso está tão arraigado em nossa cultura – isso de que artista é vagabundo, e que arte não dá dinheiro – que crescemos ouvindo coisas que nos afastam dos nossos sonhos. Tive a felicidade de nunca ouvir nada parecido com isso de minha família, mas isso veio de um lugar ainda pior: de mim mesma.
Por algum tempo, bati cabeça na área administrativa e logística. E todo artista que passou por isso sabe o quão difícil é tentar se adequar a um mundo que não é o nosso, onde soluções criativas e perspectivas diferentes não são bem vindas, por estar ‘fora dos padrões preestabelecidos’ sabe-se lá por quem. Foi quando cansei de me adequar a um mercado onde não conseguia me encaixar, e resolvi correr atrás dos meus sonhos. Prestei o ENEM/PROUNI, e com 100% de bolsa de estudos, aos 26 anos resolvi me jogar de cabeça na área de design gráfico, onde saber desenhar, compor e colorir é um grande diferencial. Deu certo.
M. R. G: Quais técnicas ou materiais tradicionais e digitais você mais utiliza quando produz?
Izabela Wilson: Confesso que há anos não sei o que é pintar com mídias tradicionais, depois que descobri um trocinho lindo chamado mesa digitalizadora. Minha Wacom é minha espinha dorsal, e a pedra fundamental da minha carreira. Antes dela, era uma bagunça de nanquim, lápis de cor e dedos sujos de tinta, mas confesso ter muita saudade e planos de voltar a produzir dessa forma. Mas a trabalho, uso Photoshop e Corel Painter para colorir, e atualmente Paint Tool SAI para pintura e artefinal. Apesar dos programas, nunca abro mão de desenhar as outlines à mão, no grafite. Escaneio, e finalizo digitalmente, mas desenhar à mão tem um valor especial pra mim.
M. R. G: Posso afirmar que você tem uma empatia com a cultura das histórias em quadrinhos, da literatura fantástica e desse universo nerd. Tem algum projeto pessoal ou a vontade de produzir algo?
Izabela Wilson: Nossa, e como! Confesso que tenho alguns roteiros escritos e estou tentando o mercado de inks e colorização para HQs, que sempre foram minha paixão e meta de vida. Estou produzindo por conta própria duas webcomics, uma delas com lançamento previsto para esta semana - na verdade, elas têm como objetivo o treino num trabalho mais profissional e a divulgação de portfólio, mas se alguma coisa vier disso, pra mim tá no lucro. =D
ponto você permite se influenciar por elas?
Izabela Wilson: Ah, isso varia de acordo com a fase. Quase todo mangaká começou com os Cavaleiros do Zodíaco, que foi minha gasolina por algum tempo – até conhecer Akira Toriyama e Naoko Takeuchi. Esses costumam ser artistas-chave nessa transição do ‘copiar’ para o ‘ter consciência’ de que se pode ser um artista, e abrem portas para estilos cada vez mais refinados. Aí, você resolve ler, se informar, estudar e aprender, vai praticando e começa a pensar que você realmente pode ser um artista. É quando temos o contato fulminante com o(s) artista(s) a quem iremos prestar eterna reverência: Masamune Shirow, Ryoichi Ikegami, Katsuhiro Otomo e Hiroaki Samura, por exemplo. É quando você baixa sua cabeça e fala ‘eu realmente não sou ninguém, não sei desenhar, sou uma anta e jamais terei futuro desenhando’. (risos) Poucos artistas resistem a esse choque de parar, repensar, formatar e começar tudo de novo do zero.
Àqueles que persistem, é essa a fase onde o real estilo do artista floresce, ganha força e potencial muito próprios. Mas não se engane: ser influenciado ou usar determinado artista como ‘referência’ não é desculpa para copiar, portanto ter um estilo que te marque e te diferencie é fundamental.
Saindo do mangá e entrando no campo artístico clássico, as lições dos mestres Michelangelo, Rodin e DaVinci tiveram grande influência nos meus estudos de anatomia e volumetria. As cores de Claude Monet e as luzes de Caravaggio são, para mim, incrivelmente desafiadoras nos estudos de reflexos, volumes, tecidos, luzes e sombras. É imprescindível o estudo dentro da história da arte para o artista engajado na ilustração e na pintura profissional, pois o conhecimento sempre será um diferencial apreciado e valorizado neste meio.
M. R. G: Nos conhecemos há bastante tempo e até fizemos parte, como organizadores, de um grupo especializado em HQ, anime e mangá, que realizou eventos nas cidades de Mogi das Cruzes, Suzano e região. O grupo acabou e cada um seguiu seu caminho. O que sobrou?
Izabela Wilson: Eu não organizava nada, pegava zine de graça e só ia nos domingos conversar batata-doce e aproveitar a companhia do pessoal... (risos) Na verdade, eu até hoje não sei o que aconteceu para a dissolução do grupo, pois tudo aconteceu quando passei por uma mudança de cidade que me afastou definitivamente de suas atividades. Portanto o que ficou, para mim, é a eterna imagem de um grupo coeso, unido, alegre e responsável, e me separar ‘de vocês’ foi um sofrimento indescritível, pois pela primeira vez havia encontrado um grupo onde falávamos todos a mesma língua e nos entendíamos. Pessoas com quem eu poderia ter estreitado laços mas não pude pela distância, só notei muito tempo depois, infelizmente.
Foi difícil. Ficou um buraco, um vazio. Fiquei doente por meses, mas aos poucos fui superando, com a ajuda de cada carta que recebi... Com o tempo, esse ‘buraco’ foi se fechando com as lembranças boas, e o que ficou foi uma enorme saudade. Lembro-me com muito carinho da zoeira e da bagunça, e guardo minha camiseta até hoje.
M. R. G: Deixe links para aqueles que queiram conhecer mais seu trabalho e sua arte ou contratar seus serviços:
M. R. G: Uma frase para fechar a entrevista:
Izabela Wilson: Sei que vai soar meio clichê, mas o meu conselho é ‘nunca desista’. Lao Tse usa uma metáfora sábia para isto: “Uma grande viagem começa com um único passo”.
Se você encontrou algo onde consegue pôr todo seu coração e alma mas ainda acha que não é bom o bastante, pratique. Tenha senso de autocrítica; tente ver o seu trabalho como se fosse uma outra pessoa. Isso ajuda a combater a vaidade, e jamais te fará esquecer que você pode melhorar ainda mais.
Leia, estude, e o mais importante de tudo: seja humilde. Ouça e observe. Nem sempre a crítica tem o intuito de te diminuir, ou a rejeição, de te fazer desistir, mas sim de repensar e se inovar, para finalmente crescer.
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